quinta-feira, 24 de maio de 2012

O CAOS NA SAÚDE MENTAL

O CAOS NA SAÚDE MENTAL

Na contramão da história está a política de saúde mental do Ministério da Saúde, que nas duas últimas décadas trabalhou, incessantemente, pela extinção dos leitos psiquiátricos.
Com base em conceitos puramente filosóficos e ideológicos, assessorado por indivíduos distanciados da realidade o Ministério da Saúde, nos últimos anos, desenvolveu uma política de saúde mental desastrosa e, hoje, colhe os resultados. A precária e insuficiente rede de serviços psiquiátricos que existia tornou-se ainda mais precária. Os portadores de transtornos mentais que dependem da assistência pública de saúde amargam graves prejuízos.
Mas os reflexos deste descaso com a saúde mental da população não afeta somente a esses doentes, que não tem voz nem voto, afeta a sociedade como um todo.
A quem caberia o tratamento dos milhares e milhares de dependentes químicos, doentes mentais, que assolam este país?
Hoje, o que podemos constatar, é que famílias desesperadas precisam recorrer ao Judiciário para garantir algum recurso para seus doentes. Dezenas de familiares abarrotam diariamente os Fóruns em busca de socorro para seus doentes, isto porque já falharam todos os outros meios, não restando alternativa ao cidadão, senão recorrer ao Judiciário.
Centenas de ocorrências são registradas por vítimas da violência causada por doentes mentais, dependentes químicos. A primeira violência é a doméstica, principalmente contra mulheres, mães, avós, esposas, irmãs, filhas e outros. As próprias vítimas não desejam que seus agressores sejam punidos. O que desejam é que sejam tratados, debatem-se contra a ordem judicial punitiva, choram e imploram por socorro. Querem, sim, tratamento digno para seus doentes.
Mas não existem hospitais psiquiátricos suficientes. Muitos dos que existiram foram extintos e os leitos desativados não foram substituídos, porque a ordem é a extinção dos leitos psiquiátricos. E os que sobreviveram à pressão e continuam prestando serviços ao SUS vão, pouco a pouco, sendo asfixiados, com repasse de valores aviltantes e, muitas vezes, são vistos como vilões pelos gestores públicos.
Diariamente presenciamos filas de familiares atormentados, nas portas dos hospitais que restaram, em busca de vagas para seus doentes. Mas quem vê essas filas? Testemunham aqueles que estão na linha de frente, lidando com a desgraça, não quem está atrás da mesa, idealizando políticas mirabolantes.
Como tratar um doente mental apenas após seu consentimento, se este não tem consciência de sua doença? Ou, se tem, não tem forças para combatê-la. Como então, esperar que essas criaturas, por si só, busquem tratamento para seu desequilíbrio mental? Isto é ridículo e cruel. Seria o mesmo que ao nos depararmos com um acidente em via pública, estando a vítima inconsciente, tivéssemos que aguardar pelo consentimento do cidadão vitimado, para que fosse socorrido. Pois é assim que acontece com o dependente químico. O sujeito é “atropelado” pela droga e não consegue pedir ajuda e na sua inconsciência, chega mesmo a rebelar-se contra o socorro, sendo assim, não será socorrido.
Muitas mães chegam a procurar a polícia a implorar para que prendam seus filhos ou acabam por acorrentá-los dentro de suas próprias casas, para que não se entreguem ao vício ou sejam assassinados. Preferem vê-los atrás das grades do que nas ruas, sem assistência à saúde. 
Muitas vezes, é dentro das penitenciárias, após praticarem toda sorte de delitos e já condenados, que recebem o primeiro atendimento psiquiátrico. Chegaram ao ponto de serem privados da liberdade e sofrem com a realidade própria da vida carcerária, encontrando-se incapazes para o convívio social. As penitenciárias estão lotadas de dependentes químicos, que na ânsia de alimentar o vício assaltaram, roubaram, traficaram, mataram etc, etc, etc...
E como chegaram até lá? Chegaram porque não foram parados a tempo de serem tratados e não cometerem crimes. E não foram tratados porque não existem serviços de saúde mental suficientes para tratá-los. Precisaram assaltar, traficar, matar para que pudessem ser dignos de atenção e recebessem tratamento de saúde. Que ironia!
E essa massa de dependentes do crack cresce a cada dia e, enquanto isso, os investimentos públicos em saúde mental são insuficientes e equivocados. Extinguem-se leitos hospitalares, desestruturam-se ambulatórios, inauguram-se meia dúzia de leitos para tratamento de dependentes químicos, criam-se CAPS, verdadeiros elefantes brancos que viram cabides de emprego. 
É um contra-senso. O Código de Processo Penal prevê que o Juiz ordenará que esses indivíduos sejam internados em estabelecimento de saúde adequado, mas como cumprir a lei se não existem tais estabelecimentos?
O que é pior, é que muitos dos serviços de saúde mental existentes estão despreparados para receber esta clientela, tanto em estrutura física quanto em profissionais qualificados. É comum ouvir-se, tanto dos profissionais quanto dos gestores destas unidades de saúde, que lá não é lugar para esses doentes. Onde seria então este lugar, senão nos hospitais psiquiátricos? Tenha o nome que tiver, seja hospital psiquiátrico, clínica de repouso, centro de recuperação, centro de assistência, centro de atendimento ou qualquer outro nome, isso é o que menos importa. O que importa é que esse lugar tem que contar com uma equipe multiprofissional preparada para recebê-los e com um programa de assistência específico para esses doentes. Se os próprios profissionais que deveriam tratá-los os rejeitam, o que se pode esperar? Comumente esses doentes são vistos como se fossem bandidos, marginais, mesmo antes de praticarem qualquer delito.
O fato é que o perfil da clientela psiquiátrica mudou nos últimos anos e se há anos atrás a população psiquiátrica que necessitava de internação era composta, sobretudo, por esquizofrênicos e outros psicóticos, hoje esta não é mais a nossa realidade, pois para aqueles doentes os antipsicóticos de última geração já conseguem amenizar-lhes o sofrimento, reduzindo em muito o número de internações. Houve um tempo em que não havia outro recurso senão interná-los, pois não existiam os remédios que hoje existem. Agora é a vez da dependência química, em que as internações são necessárias, mesmo que involuntariamente. 
Já passou da hora do Ministério da Saúde acordar para esta realidade e estabelecer um programa específico de tratamento para esses doentes que necessitam de uma abordagem diferenciada, em regime de internação.
Proliferam os serviços de igrejas, casas de apoio, centros de recuperação, etc, sem nenhuma estrutura, sem qualquer tratamento além da abordagem espiritual, muitos até bem intencionados e que, apesar de tudo, ainda são a tábua de salvação para muita gente. Outros tantos serviços particulares são criados por ex-dependentes, que se dizem cuidadores ou terapeutas, que acolhem famílias desesperadas em busca do socorro, negado pelo sistema de saúde pública, para seus doentes. Interessante observar que estas instituições não são alvos de qualquer fiscalização. Proliferam devido à omissão dos órgãos públicos que deveriam assumir o papel de acolher, cuidar e tratar desses doentes. Lá os dependentes químicos permanecem por necessários meses para superação do período de abstinência. Por outro lado, aos serviços de saúde, credenciados para tratar de doentes mentais, não são permitidas internações que ultrapassem alguns dias.  
É evidente que não dá mais para tapar o sol com a peneira. É preciso que os governos federal, estaduais e municipais levem a sério problema de tamanha gravidade e assumam a responsabilidade por esses doentes que, progressivamente, vem se multiplicando, em números assustadores.
Resta-nos o sentimento de vergonha e a indignação diante desta realidade.

Maria Regina Rodrigues Torres
21/09/2010

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