HUMANIZAÇÃO DA
PSIQUIATRIA
No Brasil, os leitos psiquiátricos foram quase que totalmente extintos, mas ainda restam alguns poucos leitos hospitalares. E o Centro de Atendimento Psiquiátrico Dr. Aristides Alexandre Campos - CAPAAC - é um deles, com 38 leitos de curta permanência, localizado em Cachoeiro de Itapemirim, município que compõe a macro-região sul do Estado do Espírito Santo.
O CAPAAC foi criado em 20 de dezembro de 1973, com o nome de "Pronto Socorro Psiquiátrico de Cachoeiro de Itapemirim". Em 1980 o Pronto Socorro Psiquiátrico passou a chamar-se Centro de Atendimento Psiquiátrico "Dr. Aristides Alexandre Campos", em homenagem ao notável interventor federal que governou o Estado do Espírito Santo em 1946.
O CAPAAC presta assistência a doentes mentais graves, agudos e ao longo dos anos, adequou-se às novas diretrizes
e às políticas de saúde mental em vigor, buscando a humanização da assistência
a esses doentes.
Houve um tempo em que os portadores de transtornos mentais
eram vistos e tratados como animais perigosos. Felizmente isto ficou no passado e o CAPAAC tem sido pioneiro
nessas reformas.
Avançamos muito na questão da humanização da assistência aos
portadores de transtornos mentais, porém esse é um trabalho sem fim. Precisamos
nos reciclar permanentemente e nos policiar para que não nos esqueçamos dos
avanços e não nos sintamos tentados a retroceder.
Ninguém disse que esta seria uma tarefa fácil, muito pelo
contrário. Sabemos que é um grande desafio e é uma tarefa de todos.
Houve um tempo em que os pacientes eram enjaulados e quando
saíam das jaulas, por algum descuido dos seguranças, os servidores saíam
correndo e gritavam e se escondiam. Naquele tempo os pacientes eram medicados através
das grades e recebiam suas rações através das grades. Os pacientes gritavam
como animais, defecavam como animais, urinavam como animais e tomavam banho
como animais com jatos d’água dentro das celas.
Houve um tempo em que tínhamos seguranças e não técnicos
dentro dos hospitais psiquiátricos. Naturalmente, que naquele tempo, era mais “seguro” para todos
e, também, era mais cômodo para todos. As mudanças tornaram o trabalho mais
árduo. Dos profissionais de saúde mental passou-se a exigir mais e a esperar
mais.
- E o que esperamos dos profissionais de saúde mental?
Principalmente que atuem com técnicas de abordagem
mais humanas. Que cada um de nós sejamos capazes de doar uma porção de nós
mesmos.
Na abordagem dentro da clínica geral é muito importante saber
lidar com a doença.
Na psiquiatria é vital saber lidar com o doente.
Cada doença tem o seu próprio perfil e o profissional de
saúde deve adequar-se ao perfil do paciente e não o contrário. Alguns nascem talhados para a atividade que desempenham.
Outros devem moldar-se a ela.
A condição básica para ser um trabalhador da área de saúde
mental é conhecer e aplicar técnicas e fundamentos da psicologia.
Todos aqueles que lidam direta ou indiretamente com o
portador de transtorno mental precisam saber disso e buscar conhecimento.
A Psiquiatria envolve muito além de um corpo. Envolve conhecimentos da medicina, da
psicologia, da filosofia, da antropologia, da linguagem corporal, entre outros.
Exige empatia.
É preciso ser empático para atuar nesta área. É preciso
sentir como o paciente, é preciso se colocar no lugar dele, é preciso sentir a dor do outro doendo em si mesmo, é preciso
envolver-se, é preciso ser humano.
O respeito ao doente e à sua doença é o primeiro passo para o
tratamento bem sucedido.
Cada trabalhador da área de saúde mental, independente de sua
função, é um agente terapêutico e sua ação influenciará no resultado, positiva
ou negativamente.
A internação psiquiátrica é o último recurso para aquele que
padece de doença mental. É a esperança após todas as alternativas terem
falhado.
Compete a cada um de nós, nos prepararmos psicologicamente
para lidar com as características próprias da doença, compreendendo que, antes
mesmo de lidarmos com a doença, estamos lidando com o doente.
Com isto quero dizer que devemos respeitar a individualidade
de cada um, com as características próprias da sua personalidade. A doença mental
não o torna inferior ou menos digno de respeito.
Por esta razão o acolhimento bem sucedido é o primeiro passo
para o sucesso do tratamento.
Não existe possibilidade de compreendermos as causas da
agressividade de um paciente, sem antes compreendermos essas prerrogativas.
A agressividade do ser humano comum está, na maioria das
vezes, relacionada à defesa e ao medo. Não me refiro aqui às situações de
conflitos sociais, mas às relações interpessoais.
Com o paciente psiquiátrico não é diferente. O paciente psicótico
age com agressividade, na maioria das vezes, para defender-se das alucinações e
delírios, ou quando sente-se atacado por alguém ou desrespeitado.
Precisamos compreender que a internação psiquiátrica, quase
sempre, ocorre de forma involuntária, o que agrava ainda mais a situação. O
paciente não tem consciência da doença e qualquer imposição feita a ele será
compreendida como uma violência e suas reações serão, naturalmente, de raiva,
revolta, agressividade. A perda do direito de ir e vir não será compreendida como um
ato de proteção e cuidado.
O profissional de saúde mental precisa saber disso e ter
empatia com esse indivíduo que está sentindo-se prisioneiro, impedido de
exercer seu livre arbítrio.
No momento em que o paciente sente-se compreendido em sua
raiva, apoiado e confiante naquele que o acolheu, esta conduta técnica, por si
só, aliviará o seu sofrimento e o paciente aceitará melhor a sua condição de
interno, passando a confiar no profissional, criando-se, a partir de então, o
vínculo necessário para o início do tratamento.
Ouvi-lo, compreendê-lo, aceitá-lo, apoiá-lo, acolhê-lo. Este
é o nosso principal papel.
- Estamos exercendo a nossa função adequadamente?
Mesmo aquele paciente que, aparentemente, está fora de
controle, delirante, sem crítica adequada irá se beneficiar e corresponder
positivamente, quando bem acolhido.
No atual contexto, não há mais lugar para pensarmos em celas,
jaulas, grades, seguranças, policiais ou outras medidas de repressão, dentro
dos hospitais psiquiátricos, pois nossos pacientes são seres humanos que
merecem respeito e cuidado de todos, mas, sobretudo, de nós, profissionais da
área da saúde mental.
O que cada um de nós deve e precisa fazer é nos qualificarmos,
continuamente, para estarmos aptos a atuar junto a esta clientela tão
discriminada, tão estigmatizada, tão necessitada de afeto, de respeito e de
recursos no sistema de saúde.
Quanto à questão da segurança devemos aliar os fundamentos da
psicologia às técnicas apreendidas nos cursos de formação profissional e, também,
às de defesa pessoal, para que possamos proteger nossos pacientes de si mesmos
e de terceiros.
Cachoeiro de
Itapemirim, 04 de julho de 2016.
Maria Regina Rodrigues Torres